123 DE OLIVEIRA BLOG

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Meu posicionamento

Como diretor e redator final do Comédia MTV, venho usar esse espaço para esclarecer que fui eu que concebi a cena “Casa dos Autistas” veiculada no dia 22/03 em nosso programa e que, quando o fiz, não busquei o humor na diminuição dos mesmos e sim na realização de um trocadilho infeliz ao pé da letra. Nada disso diminui a dor causada ou explica uma situação muito mais delicada.

Conheço o Marcelo Adnet há 8 anos (mesmo tempo que também trabalhamos juntos) e durante esses anos construímos uma grande amizade. E é em nome dela que gostaria de me colocar presente em meio a esta confusão, na qual ele está sendo responsabilizado sozinho por algo que não foi de sua criação.

Em nome e com o apoio do restante do elenco do Comedia MTV, peço desculpas a todos, ofendidos ou não, pelo erro cometido. Apesar do que possa parecer, o programa tem diversos conteúdos muito interessantes e acredita que esta situação também possa se reverter de forma interessante, demonstrando que um erro triste pode ser revertido. Como formadores de opinião em algum grau, tranformaremos juntos esse episódio em algo positivo através da divulgação, discussão e inclusão de todo e qualquer preconceito.

Atenciosamente
Rafael Queiroga

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sobre tudo o que é Oblíquo

o.blí.quo adj (lat obliquu)
1 Inclinado sobre uma superfície; que fez sobre uma superfície um ângulo de mais ou de menos de 90 graus; que não é perpendicular. 2 Que vai de lado, de soslaio; de través. 3 Geom Diz-se do sólido cujo eixo não é perpendicular à base. 4 Dissimulado. 5 Sinuoso, tortuoso. 6 Bot Que se afasta quer do plano do horizonte, quer do eixo da planta. 7 Náut Designativo da marcha do navio que segue rumo intermediário aos pontos cardeais. 8 Gram Qualificativo de caso que não seja o nominativo nem o vocativo, aplicado por extensão a pronome em caso oblíquo. 9 Diz-se do passo ou marcha em diagonal. 10 Anat Designativo de vários músculos do corpo do homem e dos animais.

1 Um domingo terrível. O Calor estrondava a cidade e incomodava até os que dele foram desfrutar. Peles Brancas se escondiam atrás de monitores, livros, televisões ou até cobertores na companhia do ar condicionado. E ele lá. Parado no meio da praça. De boca aberta faltando dente, esparramado em ripas de madeira que já não tem a cor verde desde que ele havia assumido o banco como sua casa... Duas sacolas de loja nas quais ele nunca pisou na vida, um sapato num pé, um chinelo no outro e contrariando qualquer regra de sobrevivência humana ele vestia roupas grossas, pretas e dormia numa paz imunda. Apenas o quadril e a cabeça encostadas no banco. O mundo derretendo e ele lá... Dormindo.

2 Ela tinha certeza de que estava sendo enganada e daquele dia o filho da puta não passaria. Cortava os carros com uma habilidade que nunca teve no trânsito, precisava chegar a tempo. Uma amiga o tinha visto num restaurante com uma branquela desmilinguidaaaahhhhh que raiva, de hoje esse filho da puta não passa! Montou apartamento, vendeu coisas antigas para adequarem-se ao novo espaço dedicando-se ao encontro de dois mundos em paixão. Ela estava feliz com ele! Um ônibus não a deixava passar e ela esmurrou o volante, fazendo com que o que gritasse dentro do automóvel fosse traduzido aos transeuntes em forma de buzina. Viu uma abertura na pista de contramão e foi... Ultrapassou o ônibus num arranco. 7 anos... 7 anos de relação e agora isso... Uma branquela desmilinguida! De hoje esse filho da puta não passa! O celular tocou: “Jéssica”. Era ele... O único homem que a entendeu durante muito tempo, a única pessoa que a fez esquecer os momentos em que o filho da puta a deixou irritada. O velho truque de botar um nome de outro gênero no celular pra despistar Filhos da puta que traem você com brancas desmilinguidas... Buscou o entendimento em forma de tecnologia com uma das mãos, mas o nervosismo de não deixar o filho da puta passar de hoje, fez com que o telefone escorregasse. O sinal estava verde antes que ela abaixasse mais pra alcançar o homem que se escondia por trás do codinome “Jéssica”. Diria a ele que estava indo pegar o Filho da Puta e a branquela desmilinguida e que depois estariam livres pra viver felizes, mas o sinal ficou vermelho e enquanto Jéssica chamava, ela não viu o caminhão cruzando a pista. Pronto. Daquele dia aquela Filha da Puta não passou.

3 A senhora passou metade de sua vida quase secular em função dos vasos de planta que colocava na janela, uma dia uma outra senhora descuidada não soube ajeitar um de seus vasos corretamente e ele foi ao espaço para acertar como um meteoro, a cabeça de um transeunte que morreu na hora. Uma lei proibiu vasos em parapeitos e a janela da senhora nunca mais foi a mesma, e por incrível que pareça ninguém suspeita quem seja o maníaco que faz vasos cairem como meteoros na cabeça de transeuntes em vários locais da cidade.

4 Ele diariamente acordava as 7:00, beijava a mulher loira que ainda dormia, botava seu terno, tomava café da manhã, levava as crianças pro colégio, entrava no edifício garagem, olhava para os dois lados, tinha certeza, trocava de roupa no carro, saia sem ser visto, pegava um ônibus, chegava na casa pobre, fazia carinho no cachorro, tirava a roupa que havia acabado de trocar, beijava a mulher morena que ainda dormia e voltava a dormir.

5 Escuro. Lama. Derrapa. Farol. Estreito. Planta. Desce. Rio. Pedra. Carro Submerso. Sobe. Sobe. Sobe. Tração. Sobe mais. Bate. Ré. Ajeita a Roda. Curva. Sobe mais. Neblina. Desvia. Quase! Acelera. Lama. Barulho. Acelera. Freia. Chega. E do topo do mundo, seus pensamentos finalmente podem durar mais do que uma palavra.

6 Após meses de investigação a senhora que arremessava flores contra os transeuntes foi presa em flagrante no alto de um prédio no centro.

7 47 anos de mar e o “velho lobo”, como chamavam aquele senhor, estava cansado. Nenhuma paixão, nenhuma família, nenhuma alegria diferente do pôr-do-sol pleno nos mares, por onde guiou centenas de embarcações. Estava cansado. Respirava gente endinheirada gastando os tubos por férias, negócios, casamentos, shows do Rei... Só ele era sozinho. Enquanto chorava baixinho sobre a pele murcha o velho lobo mudou a rota pra “sabe-se lá onde”, e é exatamente lá que os 2300 passageiros irão passar suas últimas horas. Finalmente se sentiu conectado a alguém.

8 O Português acordou bem cedo e enquanto ainda estava se espreguiçado eu o acertei na testa, em cheio, bem no centro. O sonho de qualquer um... Agora nóis fala do jeito que quiser.

9 Num descuido dos guardas e dos sentinelas da Torre, o Bispo viu um corredor livre e apressou o passo, entrou na câmara real e como se a mão divina o levitasse acertou um chute na base da Rainha que morreu na hora.

10 Assim que termina de ver dois babacas se esmurrando no canal de esporte, coloca misturas que ele mesmo toma na ração que os dentes de Thor dilaceram inclusive com pedaços do pote, ele revê o último chute na cara, comemorando com brilho nos olhos. Coleira nos pulsos cheio de veia e lá vão os dois... Um par semi-atrofiado passeando na madrugada carioca. É lindo ver como eles se entendem. Casam em Julho.

domingo, 24 de outubro de 2010

STAND UP NÃO É IMPROVISAÇÃO

Uma vez na minha quarta série, o inesquecível professor Marcelo fez uma prova cujo primeiro enunciado da primeira página dizia:

"Não fazer os exercícios abaixo, a prova começa a partir da segunda página."

E logo em seguida, 5 exercícios relativamente fáceis cobriam a primeira página até o fim. A prova devia ter umas 4 outras páginas além daquela.
Agradeci não ter que pensar a mais e pulei logo pro tal inicio. Não é óbvio? Parece que não...

Uma semana depois, Marcelo com as provas em mãos para serem entregues nos informou que um grande número de pessoas havia respondido a primeira página inteira, e mesmo que os exercícios estivessem corretos, qualquer resposta naquela página, na verdade equivalia a um erro. Pois o enunciado estava ali:

"Não fazer os exercícios abaixo, a prova começa a partir da segunda página."

Marcelo repetiu em voz alta enquanto mostrava a primeira página de alguém, que ele sábiamente tapou o nome com os dedos: Tudo resolvido e um enorme X vermelho sobre todo o papel. A turma riu de nervosa, o dono da prova, o único capaz de reconhece-la de longe, não deve ter rido, mas isso eu não vi.

Sentado marotamente sobre a mesa de professor, ainda mantendo o suspense dos resultados, ele nos explicou que aquilo era ansiedade. Muitos alunos, mesmo tendo lido o pedido, não conseguiram simplesmente obedecê-lo e acharam por certo não deixar a primeira página em branco. "A ansiedade tira a atenção de vocês..." continuou, falando que a nossa pressa era tanta, de terminar, sair dali, voltar pra casa, fazer qualquer coisa, que a gente nem lia mais, só ficava condicionado, a responder MOTIVAÇÕES e obter RESPOSTAS.

Provas entregues e com o baque na formação acadêmica dos CDFs, a turma havia ficado toda na média. Poucos protestos aos múrmurios foram ouvidos logo em seguida, mas muito se comentou daquela prova dali em diante.

Hoje, aproximadamente 16 anos depois, faço parte da rede social Twitter possuindo pouco mais de 85 mil seguidores e as vezes me sinto o professor Marcelo ao dizer coisas e imediatamente em seguida receber respostas de entendimento completamente contrário. Me pergunto: "Estamos todos numa eterna Quarta-Série?"

É visível como a tal ansiedade faz com que assim como na prova, uma grande maioria de tweets apenas se preocupe em responder MOTIVAÇÕES e obter RESPOSTAS, as pessoas não lêem, não buscam. Não acreditam no que está escrito na cara delas. Por que é tão difícil acreditar no mais fácil?

Quem sou eu, pra exigir que milhares de pessoas tenham cruzado com "Professores Marcelo", para entenderem a importância de uma leitura correta e do entendimento de um enunciado, mas, sendo o Twitter um Microblog de no máximo 140 caracteres, peço educadamente mais atenção ao que se escreve, não só nos meus tweets, mas em geral. É necessário saber ler. E tem gente formada que ainda não sabe.

Quando falo dos formados, chego finalmente ao meu objetivo principal do texto, os profissionais que tem como formação a informação ou a arte e nem sequer lêem uma linha.

Como já se sabe, faço parte há 7 anos do elenco fixo do Espetáculo Z.É. - Zenas Emprovisadas (www.zenasemprovisadas.com.br) que também conta no elenco com Fernando Caruso, Gregório Duvivier e Marcelo Adnet. Como o próprio nome diz: Zenas Emprovisadas, um espetáculo de Improvisação. Simples? Assim como a primeira página da prova, parece que não.

Não importa o lugar do Brasil, seja em Belém do Pará, Recife, Vitória, Belo Horizonte ou São Paulo, a IMPRENSA, os DONOS DE TEATRO, os PRODUTORES, os EMPRESÁRIOS e milhares de outros continuam chamando o Z.É. de Stand Up. É ruim? Eu me ofendo? Fico chateado? Lógico que não! Mas é errado.

STAND UP NÃO É IMPROVISAÇÃO!

Um Stand Up é a apresentação Solo de alguém que preparou um set de piadas a serem seguidas, que sim, necessitam da ajuda do improviso para lidar com adversidades durante a apresentação, mas não é tudo inventado na hora. Pra toda regra existem exceções, mas essas pessoas entram no palco sabendo 90% do que vão fazer.

O espetáculo de Improviso tem diversas variações: criações de cenas, jogos, aulas, músicas e geralmente são executados por mais de um ator. Ao contrário do Stand Up, nada nesse espetáculo está resolvido préviamente. O objetivo inclusive é criar do zero.

As duas explicações estão óbviamente curtas diante do mundo fantástico que são as apresentações de Stand Up e Improviso, e é necessário deixar claro também, que não diminuo nenhuma das duas artes ao separá-las aqui. Só acho necessário que se leia, mais, que se entenda mais, para que simplesmente possamos extinguir uma informação errada.

Se é ansiedade? Se estamos pulando as etapas ao invés de parar e pensar parte a parte? Se a vida tá em linha reta e a gente insiste no zig zag?

Não sei.
Vamos ler, pesquisar e descobrir...

Até a próxima...

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

SOBRE UM DIA DIFERENTE

(Post originalmente escrito para o blog "Tema Livre, Ficção, Sem Critério")

“Chegou a hora de vocês!”
Grita Destro Brandindo sua espada dourada.
Antes que José consiga entender o que está acontecendo, Capitão Gancho corta o seu pescoço e parte pra cima do Bebê, mas Bob Esponja lhe dá uma rasteira e esse cai sobre o feno, Pumba e Timão partem pra cima para impedí-lo de se levantar. Se precipitando ao vacilo do colega, Beebop dá uma cotovelada em Maria e parte pra cima do Berço, mas uma teia vindo de cima da manjedoura puxa o Menino Jesus em segurança.
“Não é assim tão fácil, Leitão de Natal” – Zomba Homem Aranha de cabeça pra baixo com o menino no colo.
“Isso não vai ficar assim! Minha vingança será maligna!”
Berra Esqueleto enquanto comanda dúzias de soldadinhos verdes pelo chão, alguns conseguem derrubar uns animais, outros matam pastores que assistiam a tudo com Medo.
“Whoo-hoo-hoo-hoo-hoooooo” – Tigrão aparece pulando e esmagando os soldados verdes, sempre se esquivando dos tiros. Alguns tentam fugir mas são atropelados pelo Batmóvel que é dirigido pelo Samurai Jack. Um barco pirata cheio de seres amarelos minúsculos dispara o canhão e explode o anjo que sobrevoava a guerrilha. Festa no Barco Lego
Tremor. Um gigante se posta no meio daquela situação.
Mas tudo pára e todos atônitos olham pra cima.

- Rafael, quantas vezes eu te disse que presépio não é brinquedo?

terça-feira, 20 de julho de 2010

O menino que não está mais lá

Sim, ele tinha o meu nome e não que estivesse sempre, ou que fizesse parte integral do dia a dia, mas é que diversas vezes ele esteve lá, desde pequeno. Não, também, que o “lá” seja um lugar fixo, mas sim, uma grande variedade de lugares, onde eu e ele trocávamos poucas palavras suficientes, entre risos e piadas, e sim! Ele torcia pro meu time e estava lá! No baixo, me abraçando em comemoração ao recente titulo! Me perguntou: Você tava lá!? E não, eu não tinha ido ao estádio.

Acontece que as poucas palavras suficientes, risos, piadas e abraços de campeão, não estarão mais lá, já que o lá dele agora é outro. E eu que nunca o esperei, agora sei que em qualquer lá, ele faz falta.

Descansa, lekão

Em memória de
Rafael Mascarenhas

sábado, 12 de junho de 2010

Feliz Dia dos Namorados

Ao sentar no parque, Jorge olhou pro lado e só viu casais. Contou uns 20 e não era mentira... Pra não dizerem por aí que é impossível, chegou sim, a ver uma menina sozinha mas que não demorou nem 2 minutos para receber a beijos gulosos o seu namorado.

Na ponte, Nos bancos, nos caminhos, tirando fotos na árvore, no lago, com as flores, com nada... Ele estava cercado de uma atmosfera aconchegante e agradável... Não se sentiu bem, mesmo sabendo que tudo aquilo era honesto, bonito, ingênuo e genuíno no mesmo grau. Não teve como não pensar em Menina (Nome genérico, representativo de uma generalidade feminina encantadora que passa pela vida de um homem de maneira avassaladora).

Jorge só não estava sozinho no banco, porque um outro casal não se importou com sua solidão na hora de escolher seu lado como ninho, se beijavam, carinhavam e falavam besteiras, não fazendo idéia de que um dia a existência de Jorge se tornou absoluta na forma daquele ser humano magro, de suéter azul e pasta no colo, calças confortáveis e tênis antigos, que “machucam menos”...

Sempre um estilo confortável, condizendo com sua opção de vida, opção essa que lhe trouxe até ali. A liberdade.


"Liberdade de merda"

Pensou ele.

Sem razão qualquer, começou a olhar casal a casal, e com suas próprias convicções de vida, invadiu cada beijo, abraço, carinho, frase, brincadeira e decidiu se era certo ou não, deu as durações, número de brigas, de términos, os porquês, quem estava certo, quem estava errado e quem como ele, por opção, estaria ali, sentado, sozinho, num parque em pleno Dia dos namorados.


"Minha opção"

Mais uma vez em silêncio.


E uma mexida na sobrancelha causava um desastre na vida do casal da escolhido... Traições, interesses, viagens, estudos, trabalhos, cada um um motivo, cada motivo um fim. Doloroso, ou não, um fim. Pra que ele começasse nova destruição.

Passou ali o dia inteiro agorando relacionamentos, sentindo um frio em dobro destruíndo suas veias.


“GRANDES TOLOS!”

Acabou gritando num movimento rápido enquanto se levantava.


E ao perceber que ninguém lhe de atenção,

Foi embora pra casa.

Por opção.

sábado, 5 de junho de 2010

Sobre Uma Vida Menos Ordinária

Ele abriu os olhos mas tudo continuou escuro, as juntas suavam e a posição embora fetal, era bastante incômoda. Seus sentidos não tinham costume com aquele casulo artificial. Barulho demais... Os braços doídos fizeram um primeiro esforço contra o tecido da camisa e do casaco mal ajustados no corpo, e um segundo para tatear o pouco espaço que sobrava. Quando percebeu pouca resistência na parte superior, usou as pernas semi-dormentes para ajudar... Ar... Muito Ar... Frio.... Muito Ar, Frio e Estrelas... Milhões e milhões de estrelas pontuando a cada segundo a continuação do preto anterior. O alívio foi tão grande que ele ainda ficou deitado ali, deixando aquela invasão pulmonar acontecer por alguns minutos. Os barulhos começaram a se diferenciar à medida que o cheiro de mato intoxicava o corpo urbano. Cigarras... Fazia tempo que não ouvia cigarras... Também um fluxo de água... Um barulho igual e constante porém agradável... Muito Ar, frio, milhões de estrelas, Cigarras, Fluxo de Água e tiros... Tiros? Contrariando qualquer lógica de segurança, levantou o tronco e se viu dentro de um porta-malas, silhuetas pretas de árvores onde o côro de cigarras provavelmente instalava-se, na outra extremidade um grande rio. Forçou a vista e viu marcas enormes de pneus denotando um equívoco de direção vindo da estrada que seguia uns 100 metros acima. Mais ninguém no carro. Mais tiros. Dessa vez a reação foi correta e ele se abaixou em proteção.
Os pensamentos tentaram se organizar mas não conseguiram, a lógica o fez tatear os bolsos mas não encontrou nada. Não lembrava o próprio nome... Gastou um tempo em lembranças falhas mas nem a posição fetal lhe trouxe pistas, levantou-se novamente e saiu se esgueirando pelo mato molhado de sereno, o medo e a falta dele andavam incompreensívelmente juntos, guiando-o para cima contra a marca dos pneus, muito esforço, dor e confusão mental. Chegou enlamaçado na estrada onde havia outro carro batido, o motorista protegido pelo cinto jazia pálido com a cabeça encostada no volante, o carona sem a mesma sorte tinha metade do corpo atravessando o vidro e esparramado de forma desorganizada no capot da frente. Confusão mental. Confusão Mental. Que nome? Confusão Mental. Cheiro de Mato. Mato e Sangue. Frio. Lama. Uma placa à frente. Uma ponte. Mais Esforço. Rio... Je...qui...ti...nho...nha. Rio Jequitinhonha. Jequitinhonha... Jequitinhonha? Árvores, Rio, Carro, Placa: Jequitinhonha. Jequitinhonha...Jequiti... Minas! Minas? Caralho! Tiros!
Quando teve coragem olhou pra outra margem e viu um clarão de pólvora na direção contrária da ponte, sua visão era obstruída pelas árvores, mas concluiu que aquele seria o resto do caminho... De ida? De chegada? Caralho... Jequitinhonha! De onde estava conseguia ver o carro de onde havia saído, se cortasse caminho por baixo da ponte chegaria mais rápido do que voltando à pista e descendo novamente o barranco. Achou que seria melhor e foi, esgueirando-se para não chamar a atenção da pólvora que volta e meia se manifestava na outra margem. Nome... Nome... Nome... Pai, Mãe, Mulher... Nome, não. Ao alcançar o porta-malas, percebeu que a lama em sua roupa tinha cor escura e saía de dentro do estômago devagar, deixando a mão, que até então ele ousara pensar que buscava proximidade do corpo por conta do frio, completamente ensanguentada... Sangue? Confusão Mental. Frio. Grude. Nome? Tiros! Jogou seu corpo de forma displicente dentro do porta-malas e respirou fundo. Dor, grude, tiros, frio, barulho de água, cigarras... Jequitinhonha... Caralho... Jequitinhonha.
Um último esforço fechou o porta-malas e na mesma vagareza que a minutos ele havia recuperado os sentidos, foi se esquecendo deles e voltando ao escuro, juntas esfriando, posição fetal não mais incômoda... Silêncio.
No dia seguinte, os jornais contavam tudo sobre a noite. Talvez ele tivesse orgulho de ver seu nome na primeira página.

(Texto escrito em 2005 para o blog "Tema Livre, Ficção e Sem Critério")